O exercício fisíco é o primeiro requisito para a felicidade. Para conquistar a felicidade é preciso ter pleno domínio do seu corpo. Se aos 30 você está fora de forma você é velho. Mas se você é flexível e forte, você é novo. Joseph H. Pilates

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O jogo de jogar coisas fora!

Faz bem livrar-se de tudo que está atulhando a casa, o trabalho e a vida.
Texto Ivonete Lucírio- Revista Bons Fluidos
Uma poesia de Manuel Bandeira, que virou música pelas mãos de Dorival Caymmi, conta a história de um rei que atirava coisas ao mar e pedia para que as sereias fossem buscá-las. Primeiro, foi um anel, que voltou intacto para seus dedos. Depois, foram grãos de arroz, resgatados um a um pelas sereias. Finalmente, ele jogou sua filha, as sereias se fizeram de rogadas, e a princesa morreu nas ondas. Talvez, o medo que temos de jogar coisas fora seja responsabilidade de um rei como esse morando dentro de nossa cabeça: ele jogava, mas queria a coisa de volta. Por fim, seu medo de colocar algo para fora e depois sentir falta realmente se concretizou.
Mas pense bem: será que você precisa mesmo de tudo o que acumula? Não seria bom se livrar de alguns anéis – desde que ficassem os dedos –, grãos de lembrança e algumas pessoas que não fazem mais parte da sua vida?
Muitas vezes, só mantemos algo por não sabermos o que colocar no lugar. "Os objetos são vistos como uma extensão de nossa personalidade", comenta o antropólogo Arthur Shaker, professor de meditação budista da Casa de Dharma, em São Paulo. "Abrir mão deles seria como abrir mão de si mesma." Nesse sentido, cada objeto assume uma significação simbólica e, em algumas ocasiões, isso passa a ter mais força do que o objeto em si. Aquela fruteira velha é importante porque foi dela que seus filhos pegaram o alimento que os fez crescer. O mais velho gostava tanto das maçãs; o do meio, das bananas; e a caçula, das peras. Mas você continuará a ser a mãe amada mesmo se livrando da fruteira, pois pode nutrir seus filhos de sentimentos que independem de qualquer objeto. E isso vale para o parceiro, os amigos, a família.
POR QUE GUARDAMOS TANTO?
A sociedade de consumo tem um tantinho de culpa por essa mania de não nos livrarmos das coisas. Afinal, é ela quem estimula a posse. Mas a necessidade de guardar coisas é muito anterior ao desejo de um sapato novo de uma grife qualquer. "Em seus sermões, Buda já falava sobre o apego como uma forte característica humana", lembra Arthur. Nossas avós guardaram mais porque viveram em uma época de guerra ou de migração, conheceram a carência. Muitas, hoje, ainda fazem estoque de comida esperando a próxima batalha eclodir. Os próprios animais demonstram certa estima pelo seu objeto preferido. Cachorros pequenos rosnam quando algum desconhecido chega perto de seu cobertorzinho predileto. E o leão ruge para qualquer um que se aproxime de sua caça.
É fácil enumerar diversos motivos para que alguém sinta dificuldade em se livrar de coisas e sentimentos. "Muitas vezes, guardamos algo de alguém que se foi como uma homenagem, até sermos capazes de realizar nossa despedida interna", avalia Lana Harari, psicóloga de família de São Paulo. Há, ainda, o desejo de se precaver contra todas as eventualidades que o futuro possa trazer. Vai que ocorra uma enchente e você precise daquela galocha guardada há anos. "Nesse caso, é uma necessidade parecida com a que nos faz carregar uma mala pesada quando viajamos por temermos ficar desprotegidos", compara Lana.
Pode ser também insegurança com relação ao futuro, medo de se livrar e não conseguir aquilo novamente, a preguiça de tomar uma decisão (jogo fora ou não o relógio que parou de funcionar?).
Além disso, libertar-se do que está sobrando na nossa vida contradiz um valor muito cultuado hoje. "Vivemos numa época em que lutamos o tempo todo para que as coisas não fujam de nossas mãos", lembra Arthur. Existe até um mercado que se alimenta desse hábito. É seguro para repor o carro se ele for roubado, cadeados nos portões, cofres.
COISAS DEMAIS ATRAPALHAM
Seja qual for a explicação para juntarmos coisas e sentimentos, a conclusão é que isso é ruim. Certas vezes, ao contrário de conferir identidade, objetos e pensamentos nos soterram em um monte de lixo e deixamos de ver quem realmente somos. No livro Jogue Fora 50 Coisas (ed. Ediouro), a especialista americana em motivação e organização Gail Blanke lembra uma história interessante. Assim que finalizou a estátua de Davi, alguém perguntou ao artista Michelangelo como ele soubera a forma de esculpir com tamanha perfeição essa figura humana. O escultor respondeu: "Davi sempre esteve ali no mármore. Simplesmente retirei tudo o que não era Davi". Ao abandonar coisas que não têm mais valor ou utilidade, você estará seguindo os passos de Michelangelo.
Ou seja, segundo a autora, sua essência realmente dará as caras, a partir do momento em que remover tudo o que você não é. Tanto quanto adquirir coisas, livrar-se delas também é uma questão de estilo. O que fica revela sua marca.
Desfazer-se do peso morto ainda abre espaço para a introspecção. Ambientes atulhados causam uma superexcitação. "A mente fica o tempo todo sendo arrastada pelo objeto e não descansa nunca", descreve Arthur.
Não é à toa que os mosteiros budistas, ambientes que convidam à meditação, são de decoração espartana. "Assim é possível olhar para dentro de si mesmo", arremata.
Sem falar que viver tropeçando no que não serve acaba atravancando o fluxo de energia. "Toda casa tem uma energia que chamamos de chi", explica Franco Guizzetti, consultor de feng shui, de São Paulo. "O chi não circula em ambientes atulhados, cheios de objetos, saturados. A energia fica estagnada", completa ele.
Essa regra vale também para coisas que ficam paradas durante muito tempo. Se não quer se livrar de algo, torne-o útil. É preciso ler os livros comprados, consertar o que está quebrado, tirar o aparelho de jantar de porcelana do armário.
Não há razão para manter enfurnados objetos que você julga importantes. É você que faz um momento ser especial para merecê-los.
Ao mesmo tempo em que precisamos ter coisas, há sempre algo ou alguém nos impulsionando a substituir o que ficou obsoleto. O casaco de dois invernos precisa ser substituído por um com a cor da moda, mesmo ainda estando impecável; o celular não deve durar mais de um ano; carro tem de ser zero.
Esse movimento gera uma série de sucatas, que se acumulam em algum lugar. Primeiro, nas casas e escritórios. Depois, quando decidimos nos desfazer delas, nos lixões. "É a filosofia de destronar o velho para impor o novo", descreve Lana. Mas quem ditou que tudo precisa ser tão efêmero?
É ótimo livrar-se de peças sem serventia, mas não é tão bom assim gerar lixo. E não estamos aqui chamando de lixo apenas aquilo que está estragado, mas objetos que, ainda em bom estado, são encostados facilmente em nome da modernidade. "Talvez a solução não seja apenas jogá-los fora, mas sequer adquiri-los", diz Arthur. Nem sempre o que é mais novo tem qualidade melhor. E, mesmo que tenha, o anterior talvez já garantisse qualidade suficiente. (...)

Fonte: Bons Fluidos

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